É possível ligar duas orações por meio de “sendo que”?
Claro que sim. Se se discute esse uso, é porque ele existe.
É válido?
Sem dúvida, pois mesmo bons autores se servem dessa locução conjuntiva (duas palavras usadas como conjunção), que foi além do valor causal originário para assumir um valor aditivo.
Nenhum gramático ousa dizer que seu emprego constitui erro, nem mesmo Napoleão Mendes de Almeida, em quem me esteio algumas vezes apesar de sabê-lo tradicionalista. O que esse mestre e seus seguidores ressaltam é que “não fica bom”, é “péssimo”, é “abuso do gerúndio”, da mesma maneira como se propala não serem recomendáveis “a nível de” e “mesmo” (no lugar do pronome reto ou oblíquo), por exemplo. Por conseguinte, eles apresentam sugestões de substituição de “sendo que” por E (opção A) ou por ponto e vírgula (opção B) ou por outra construção. Para atender à recomendação, vamos ver três frases de exemplo:
O enfoque é outro, sendo que a justiça constitui a legitimação da norma. São dois os tipos de ambientes virtuais de aprendizagem destinados à educação, sendo que um deles foi desenvolvido com base em um servidor web. O tratamento com aqueles medicamentos era muito caro, sendo que este novo produto, além de custar menos, é mais eficaz.
Opção A
- O enfoque é outro, e a justiça constitui a legitimação da norma.
- São dois os tipos de ambientes virtuais de aprendizagem destinados à educação, e um deles foi desenvolvido com base em um servidor web.
- O tratamento com aqueles medicamentos era muito caro, e este novo produto, além de custar menos, é mais eficaz.
Opção B - O enfoque é outro; a justiça constitui a legitimação da norma.
- São dois os tipos de ambientes virtuais de aprendizagem destinados à educação; um deles foi desenvolvido com base em um servidor web.
- O tratamento com aqueles medicamentos era muito caro; este novo produto, além de custar menos, é também mais eficaz.
Será que as opções sugeridas denotam melhor redação que a original? Em princípio, sobressai que a conjunção aditiva ou o ponto e vírgula não têm a mesma força expressiva da locução conjuntiva visada. Já quando se trata de números, quantidades, é mais viável a alteração, como neste exemplo:
Em 1997 o curso à distância já contava com 160 mil alunos, sendo que 70% deles trabalhavam meio período. Em 1997 o curso à distância já contava com 160 mil alunos, 70% dos quais trabalhavam meio período.
Outro gramático que aborda rapidamente o assunto é Adriano da Gama Kury (1.000 Perguntas: Português, 1983). Embora advirta que não é bom abusar da locução “sendo que” com o valor de “e”, ele a considera aceitável quando configura a redução de “sendo certo que” ou “notando-se que”. É o caso das frases utilizadas acima como exemplo, senão vejamos:
O enfoque é outro, sendo [certo] que a justiça constitui a legitimação da norma. O tratamento com aqueles medicamentos era muito caro, sendo [de notar] que este novo produto, além de sair mais em conta, é também mais eficaz.
Enfim, trata-se de estilo, de gosto pessoal, jamais de erro. E a escolha por uma ou outra expressão vai depender muito do contexto, dentro do qual se deve verificar se já não existe gerúndio em excesso, ou muitos “sendo que”, ou muito “e”. O importante para a harmonia do texto é que não se utilize abusivamente de expressões fortes, marcantes. Apenas isso.
Número: 291
Data: 21/09/2011
Título: SENDO QUE É POSSÍVEL...
Fonte: Língua Brasil
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